sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Rato penitente

Eu lembro-me do dia em que meus dentes,
De tanto se premirem, apartaram-se,
E ao mundo onde nasceram lamentaram-se
Do pranto que bebias, tristemente...

Eu lembro-me de olhar-te penitente...
Meus lábios do teu pranto alimentaram-se...
Sedentos, gota a gota, não cansaram-se
De te beber o rosto, calmamente...

Agora um sujo rato rói-me o peito,
Como se me rascasse uma madeira
Com dois malditos dentes afiados...

Eu te amo como nem Camões sujeito
À Dinamene fora, pois não dera
Apoio ela aOs Lusíadas, marcados...

(Rodrigo Della Santina)

sábado, 9 de janeiro de 2010

O lago oblíquo

o lago oblíquo


.

soube a voz taciturna
bafejando ao espelho
: o olhar turvo
a buscar os pássaros
que lhe retinham
à vida no ovo.

Estavam ávidos
seus esteios:

exauridos cantos
para vôo.


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Maykson de Sousa.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Angústia

Perder pai e mãe, não atingir a glória nem a felicidade, não ter uma amigo nem um amor — tudo isso se pode suportar; o que se não pode suportar é sonhar uma cousa bela que não seja possível conseguir em ato ou palavras.
(PESSOA, Fernando. “Na floresta do alheamento”)

Eu não suporto ver uma impossibilidade
Olhar-me nos olhos austera e fixamente
Como se o meu desejo fosse incoerente
E me servisse muito mais a realidade

Cotidiana de que se serve toda a gente.
Ora, o meu talento é a expressão da honestidade
Em que Deus se meteu ao criar a humanidade.
Não pode ser, portanto, aquele incoerente.

Mas descubro que o é. E o que acontece em mim,
Dentro de mim, comigo, é uma explosão total
E esquizofrênica da realidade em si:

O vergastar do vento muda a direção
Do meu desejo... E o que ora me resta, afinal,
É só para eu poder não me esquecer de mim.

(Rodrigo Della Santina)